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o Imaginário, o Cinema e a Astrologia


(comunicação apresentada no III Colóquio Internacional de Educação, Imaginário, Mitoanálise e Utopia, na Universidade Federal Fluminense em ago/2009, Niterói, RJ)



introdução teórica


Ernest Cassirer, em seu livro A Filosofia das Formas Simbólicas, parece tomar a Astrologia como um saber que se funda no imaginário do espaço: “a imagem do cosmo, a imagem dos espaços celestes e da articulação dos corpos nos espaços celestes, tal como descreve a ciência astronômica, está fundada originariamente na intuição astrológica de espaço e do acontecimento no espaço"[1]. Mas em relação a isto, ele já havia feito uma outra observação importante: “Quando atribuímos às coisas no espaço uma determinada grandeza, uma determinada situação e uma determinada distância, não expressamos com isto um simples dado da sensação, mas inserimos os dados sensíveis numa conexão de relação e de sistema, que em última instância mostra não ser senão uma pura conexão do juízo. Toda articulação no espaço pressupõe uma articulação do juízo"[2].


E assim, ao atribuir a conexão espacial à conexão do juízo, ata de certa forma a dimensão cósmica à dimensão da cognição humana, retomando uma imagem antiga utilizada freqüentemente para se falar da Astrologia: de que o cosmos pensa e que ele é como um cérebro gigante.

Essa imagem pode soar extravagante num primeiro momento. No entanto, ao investigarmos a história da Astrologia, tomamos conhecimento que em pleno século XIII o filósofo árabe Mohyddin Ibn ‘Arabi[3] já associava os planetas celestes às sete funções da alma – o que se encaixa perfeitamente com os estudos “psicológicos” feitos na mesma época, sobretudo por Alberto Magno[4] e São Tomás de Aquino[5] que tentavam sistematizar e resumir toda uma tradição filosófica que, desde Platão, investigava a alma pelo seu aspecto cognitivo, isto é, pelo modo muito próprio como ela percebia, sentia e agia sobre o mundo.


Já Henry Corbin[6] (referendado por Gilbert Durand no seu livro O Imaginário[7]), um dos maiores nomes quando o assunto é o oriente e o imaginário, aponta para o fato de que há uma faculdade imaginal: a faculdade celestial por excelência, isto é, a faculdade humana que permite criar imagens que traduzem justamente as relações que se dão entre o sujeito e a totalidade do quadro cósmico e que demonstram que há imagens que são capitais para o sentido e uma visão global da existência.


Se aliarmos tudo isto àquilo que de mais consistente a psicologia moderna produziu sobre o mesmo assunto, construiríamos uma teoria astrológica de fundamento cognitivo, tal como Olavo de Carvalho fez em sua Astrocaracterologia[8]. O que é completamente concebível: afinal, vários estudos sobre a personalidade (estudos que buscam desvendar o misterioso território da singularidade humana) tentaram compreender em especial como cada pessoa enxerga o mundo ao seu redor, apontando para a possibilidade de haver uma relação entre aquilo que a pessoa é e o modo como ela conhece, ou seja, entre ser e conhecer.


Tudo isto pode parecer absurdo mas deveria ser no mínimo suficiente para levarmos em consideração a possibilidade de que há uma relação entre a disposição do cosmos e a disposição da cognição humana, isto é, entre o modo como ser humano conhece e o modo como as condições temporais e espaciais do cosmos em que vivemos determinam nossa cognição. Aliás, esta comunicação visa a explorar justamente esta hipótese que, à primeira vista, pode soar tão incompreensível quanto surpreendente: de que os astros determinam a nossa visão de vida, ou seja, a maneira muito particular com que cada um de nós vê e aborda o mundo.

Para demonstrar tal hipótese, nada melhor do que analisar filmes de cinema, justamente porque esta forma de expressão é considerada “a arte da visão” por excelência. Através desta análise, será possível perceber que cada cineasta tem um modo de ver muito característico e que este “modo de ver o mundo” está profundamente relacionado às condições temporais e espaciais em que cada cineasta nasceu, isto é, à hora e ao local do seu nascimento. Desse modo, não só se percebe as relações analógicas existentes entre certas narrativas cinematográficas e certas configurações astrológicas mas também se realiza uma pequena contribuição para o avanço dos estudos sobre as imagens e o imaginário.



A estrutura da narrativa cinematográfica e a estrutura do cosmos


No curta-metragem Ilha das Flores, concebido por Jorge Furtado[9] em 1989, toda narrativa procura demonstrar como todos os personagens estão interligados entre si, fazendo parte de um mesmo ecossistema, cujo equilíbrio é ameaçado - à primeira vista - por conta de um fator que nele penetra: o lucro. À medida que o filme prossegue, percebe-se que todo o sistema se desequilibrou não por causa de um fator que nele entrou mas, sim, por causa de um fator que dele saiu: Deus, justificando umas das frases iniciais do filme: “Deus não existe”. Como se não bastasse, além das várias imagens sistêmicas e orgânicas que são apresentadas ao longo do filme (tais como a do planeta Terra girando em torno do seu próprio eixo sendo superposta pela imagem da lente de um microscópio que revela microorganismos), a concepção que se tem do ser humano é bastante curiosa. Ele é definido por ser composto de três partes: tele-encéfalo altamente desenvolvido, polegar opositor e dinheiro (ou, mais acertadamente, liberdade). Aqui, a noção de um Todo e das Partes que o compõem se salienta e se revela.


Ilha das Flores é uma pequena obra-prima, fruto de uma inteligência que pode aqui ser chamada de sistêmica, isto é, de uma inteligência cuja intenção é a de decompor o todo por partes para entender por fim como estas se inter-relacionam. Aliás, o mesmo raciocínio aparece presente e marca a obra de Henry Miller[10], escritor americano, para quem o homem era um todo composto de três partes: Sexus, Plexus e Nexus, os três famosos volumes que compõem a sua obra intitulada A Crucificação Encarnada, uma alusão ao próprio homem cuja imagem é a de uma carne em forma de cruz.

Já no episódio Ejaculação da série Tudo o que Você Sempre Quis Saber sobre o Sexo Mas Tinha Medo de Perguntar, concebido por Woody Allen[11] em 1972, vê-se que uma das partes do corpo humano não está funcionando: o pênis não consegue ter ereção e, ao se apurar a responsabilidade pelo problema, descobre-se que a ameaça se deu em outra parte do organismo: na consciência, revelando, de um modo bem criativo e humorado, como as partes de um mesmo todo estão interligadas.


Mas o que há em comum nestes dois casos cinematográficos, além do terceiro, de natureza literária, e que acrescentei à título de brinde? Além do fio narrativo ser entretecido por uma perspectiva sistêmica e orgânica, todos os seus autores nasceram sob uma mesma configuração astrológica, tendo um dos sete planetas tradicionais[12] localizados na Casa VI do seu mapa - motivo suficiente para determinar esse tipo de visão e de abordagem.


Aliás, quando o indivíduo tiver algum destes planetas posicionados na Casa VI do seu mapa astrológico, ele enfocará a vida pela perspectiva da organicidade e verá sentido no mundo em função de uma ordem que parece manter o todo funcionando no mais perfeito equilíbrio, nutrindo então um interesse profundo por qualquer espécie de sistema que lhe demonstre como as coisas estão interligadas entre si e, sobretudo, como tudo se encaixa e funciona.


Este sentido, em grau elevado, levará o sujeito a ter uma visão muito clara do conjunto, do todo, bem como das partes que o compõe, desenvolvendo então um grande senso administrativo, isto é, de como deverá dispor, arranjar e organizar as coisas para que o todo desemperre e volte a funcionar, o que o leva não só a otimizar o seu tempo mas a economizar gastos de dinheiro e energia absolutamente dispensáveis. Já num grau muito baixo, é este mesmo sentido que levará o sujeito a ter uma visão confusa com relação à administração da sua rotina, fazendo com que se torne ou uma pessoa desorganizada, com um pavor imenso por tudo que tolha sua liberdade e lhe exija muita disciplina ou com que se torne então uma pessoa bastante sistemática, com medo de que tudo atrapalhe o esquema que elaborou para si mesmo e no qual tenta viver.

Mas, seja em que caso for, este será o sujeito para quem os episódios que envolvem os hábitos, a rotina, a harmonia e o equilíbrio marcarão de modo indelével toda a sua existência e para quem os relógios, os quebra-cabeças, os mecanismos, as engrenagens e o ritmo se transformarão em imagens fundamentais na composição da sua obra estética: imagens-chaves que abrem a compreensão desta mesma obra.


Vem daí a contribuição que a Astrologia pode dar aos estudos sobre a imagem e o imaginário, visto que é este saber quem postula a existência de uma relação estreita entre a cosmovisão individual e a estrutura do cosmos.




notas:


[1] CASSIRER, Ernst. A Filosofia das Formas Simbólicas.São Paulo: Martins Fontes, 2004. Pag 115

[2] Obra citada, Pag 63

[3] ÀRABi, Ibn. A Alquimia da Felicidade Perfeita. São Paulo: Ed Landy, 2002 e também BURCKHARDT, Titus. Clave Espiritual de la Astrología Musulmana según Mohyiddîn Ibn Arabí. Ed Sophia Perennis – Spain, 1998.

[4] MICHAUD-QUANTIN, Pierre. La Psychologie de L’activité chez Albert le Grand. Paris: J. Vrin, 1966.

[5] GARDEIL, H. D. Iniciação à Filosofia de S. Tomás de Aquino. tomo Psicologia. Ed Duas Cidades – SP, 1967.

[6] JAMBET, Christian. A Lógica dos Orientais: Henry Corbin e a Ciência das Formas. São Paulo: Editora Globo, 2006.

[7] DURAND, Gilbert. O Imaginário. Rio de Janeiro: Difel, 2001. pag 74 e 75

[8] CARVALHO, Olavo de. O Caráter como Forma Pura da Personalidade. Rio de Janeiro: Astroscientia, 1992.

[9] JORGE FURTADO: 09/06/1959, 9:30 hs, Porto Alegre. Dito a mim mesmo por ocasião da Terceira Conferência Internacional do Documentário: Imagens da Subjetividade, São Paulo, 11/04/2003.

[10] HENRY MILLER: 26/12/1891, 12:30 hs, Manhattan,NY, USA.

[11] WOODY ALLEN: 01/12/1935, 22:55 hs, Bronx, NY, USA

[12] sol, lua, mercúrio, vênus, marte, júpiter e saturno.

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