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ASTROLOGIA & COSMOVISÃO, UM ESTUDO DE CASO: FERNANDO PESSOA


Os versos de Fernando Pessoa que se seguem são muito oportunos para demonstrar a tese astrológica que ora apresento com esta palestra:


"doze signos do céu o sol percorre e, renovando o curso, nasce e morre nos horizontes do que contemplamos. Tudo em nós é o ponto de onde estamos”[1].


Eles traduzem uma concepção muito particular que o poeta e astrólogo Fernando Pessoa tinha do céu: que “o sol percorre e renova seu curso” “nos horizontes do que contemplamos” e que, por isso, “tudo em nós é o ponto de onde estamos”. Tais versos encerram duas idéias básicas:

  • a primeira é que o percurso do astro celeste no horizonte aparece subordinado ao que contemplamos e vemos, ou seja, a um determinado ponto de vista. Aqui, o poeta associa o movimento celeste à noção de perspectiva, estabelecendo assim uma relação entre Astronomia e Visão.

  • a segunda é que este ponto de vista aparece associado a tudo que há em nós, ao que somos. Aqui, o poeta associa a noção de perspectiva à noção de ser, estabelecendo assim uma relação entre Visão e Ontologia.

As duas relações que se encontram implícitas nestes versos não são claras, particularmente a relação entre visão e ser. No entanto, se considerarmos que a alma tem uma capacidade cognitiva ou perceptiva e que esta capacidade aponta para a existência de uma consciência, de um eu ou de uma identidade - como Ludwig Klages[2] e Gordon Allport[3] defendem - entenderemos esta relação. Para o primeiro psicólogo, a alma não é dotada só de instintos ou desejos: ela é dotada de interesses que a levam prestar atenção em certas coisas e não em outras, o que demonstra uma atividade seletiva própria de uma consciência ou de um eu. Já para o segundo, a alma vislumbra certos valores e estes a levam a construir o seu eu, sua identidade.


Em ambos os casos, os autores estão pressupondo que há uma relação muito íntima entre Ser & Ver: o que eu sou determina o modo como vejo e percebo e o modo como vejo e percebo determina o que sou. Relação que, se raramente foi contemplada pela psicologia, não escapou à filosofia, se consideramos que Parmênides, filósofo do século VI aC, disse: “pois o mesmo é pensar e ser”[4]. Aqui, vemos o filósofo afirmando que o que sou e o que penso são o mesmo, associando assim o ser a uma capacidade específica da alma em perceber e entender o mundo.


E sabemos, nós, o quanto o nosso poeta se interessou por filosofia e psicologia, se lembrarmos que o seu espólio, com mais de vinte e sete mil documentos, encontra-se dividido por envelopes temáticos, dentre estes cinco envelopes com os títulos Filosofia, Filosofia-Metafísica, Filosofia-Psicologia e Textos Filosóficos, como explica Ribeiro[5]. Não deve, portanto, ser fortuita a relação entre Visão & Ontologia que o poeta estabelece neste verso.

Já quanto à relação entre Astronomia & Visão, também difícil de se compreender, há de se invocar um filósofo para entendê-la: Platão que o nosso poeta conhecia, como atesta Ribeiro[6]. Afinal, para este filósofo, há uma clara relação entre os astros e a visão humana:


“Em meu entender, a visão foi gerada como causa de maior utilidade para nós, visto que nenhum dos discursos que temos vindo a fazer sobre o universo poderia de algum modo ser proferido sem termos visto os astros, o Sol e o céu. Foi o fato de vermos o dia e a noite, os meses, o circuito dos anos, os equinócios e os solstícios que deu origem aos números que nos proporcionam a noção de tempo e a investigação sobre a natureza do universo. A partir deles foi-nos aberto o caminho da filosofia, um bem maior do que qualquer outro que veio ou possa vir alguma vez para a espécie mortal, oferecido pelos deuses. Afirmo que este foi o maior bem facultado pelos olhos”[7].


Para Platão, esta relação entre os astros e os olhos – que abrem o caminho para a filosofia - só é possível porque, primeiro, “a alma possui em si mesma esta faculdade de aprender e um órgão para esta finalidade, tal como um olho”[8] e, segundo, porque os movimentos das órbitas planetárias e dos pensamentos dentro de nossas cabeças são do mesmo gênero:


“Os movimentos congéneres do que há de divino em nós são os pensamentos e as órbitas do universo. É necessário que cada um os acompanhe, corrigindo, através da aprendizagem das harmonias e das órbitas do universo, as órbitas destruídas nas nossas cabeças, tornando aquilo que pensa semelhante ao objeto pensado”[9].


Por isso, aquilo que há na nossa cabeça é do mesmo gênero do que há no céu, sendo esta a razão, aliás, de sermos uma planta celeste e não terrena:


“Um deus deu a cada um de nós um gênio, aquilo que dizemos habitar no alto do nosso corpo – e dizemo-lo muito corretamente – e nos eleva desde a terra até àquilo que é nosso congénere no céu, porque somos uma planta celeste e não terrena”[10].


Como se pode ver, para Platão, a relação existente entre os astros e a visão só se dá porque o movimento dos astros no céu é do mesmo gênero do movimento dos nossos pensamentos em nossa cabeça que, tais como os olhos, se abrem para inteligir e conhecer o mundo. E se pudermos considerar todas estas referências em conjunto para lançar alguma luz sobre os versos do nosso poeta-astrólogo, entenderemos que, ao ter atado as duas relações estabelecidas, ele cria uma relação tripla entre Astronomia – Visão – Ser, deixando a entender que o nosso ser é, ele mesmo, a visão e a perspectiva que temos do céu e que aquilo que somos é constituído substancialmente pelo modo como nossa inteligência enfoca os astros.


Mas esta relação tripla é exatamente a relação que a Astrocaracterologia estabelece, criada pelo filósofo Olavo de Carvalho em 1989. Esta tese sustenta que a nossa essência individual é pura intelecção, percepção. Ela considera os sete planetas da astrologia tradicional como representantes das sete faculdades cognitivas[11], faculdades que foram discutidas por Alberto Magno e São Tomás de Aquino no século XIII, e as Casas Astrológicas como as direções para as quais estas faculdades se voltam, demarcando as direções preferenciais da atenção individual. Afinal, dentre os três sistemas de que se compõe um mapa astrológico – Signos, Casas e Planetas – são as Casas que descrevem as perspectivas que se abrem entre o sujeito nascido e o mundo em torno. São elas que descrevem, portanto, as doze perspectivas humanas fundamentais.


Mas que perspectivas seriam estas? Se considerarmos como um único e mesmo objeto pode ser percebido e compreendido por doze perspectivas diferentes, entenderemos o que há de específico em cada uma. Consideremos então que, ao ganhar um relógio de presente, o indivíduo que tem planetas:


na CASA 1 é aquele que de imediato tenta compreender se o relógio faz ou não seu tipo, se ele combina ou não com o seu estilo, se ele está de acordo ou não com a sua auto-imagem.


na CASA 2 é aquele que de imediato tenta compreender as qualidades físicas e materiais do relógio e se estas agradam os seus sentidos ou lhe causam algum desconforto sensorial.


na CASA 3 é aquele que de imediato tenta compreender o relógio pela mensagem e informação que ele carrega: estaria a pessoa dizendo que ele é alguém que sempre chega atrasado e não cumpre seus compromissos ao ter lhe dado justamente um relógio de presente? Afinal, o que este relógio quer dizer?


na CASA 4 é aquele que de imediato tenta compreender que sentimentos e emoções este relógio desperta em seu coração e se estes estão de acordo ou não com os sentimentos guardados em sua memória.


na CASA 5 é aquele que de imediato tenta compreender se o que ele fez o torna de fato merecedor de tal relógio e se este está à altura ou não do seu valor e do seu mérito.


na CASA 6 é aquele que de imediato tenta compreender as partes que compõem o relógio e qual o papel que cada uma desempenha para o bom funcionamento do todo.


na CASA 7 é aquele que de imediato tenta compreender quais são as expectativas que o outro deposita nele por ter lhe dado um relógio de presente e, em contrapartida, se deve ou não retribuir.


na CASA 8 é aquele que de imediato tenta compreender se este relógio lhe oferece ou não algum risco ou perigo, como por exemplo um assalto.


na CASA 9 é aquele que de imediato tenta compreender se receber tal presente está de acordo ou não com os princípios que julga certos e verdadeiros, se isto contradiz ou não a conduta e o gênero de vida que adotou para si.


na CASA 10 é aquele que de imediato tenta compreender qual a posição e o status das pessoas que usam tal relógio e se este lhe confere ou não algum poder.


na CASA 11 é aquele que de imediato tenta compreender se este relógio é ou não um meio indispensável para realizar seus projetos e objetivos futuros.


na CASA 12 é aquele que de imediato tenta compreender qual o sentido e a direção que este relógio irá imprimir no desenrolar da sua vida e se ele cumpre ou não algum propósito maior.


A palestra sobre Fernando Pessoa que ora apresento é, aliás, a tese por mim defendida e por Marly Pisciolaro em 1992 como comprovação daquilo que constitui o fundamento da Astrocaracterologia, tal como proposta por Olavo de Carvalho: que a nossa essência individual é pura intelecção, percepção ou - como o próprio Fernando Pessoa disse - que “tudo em nós é o ponto de onde estamos”. E para demonstrar como o nosso poeta-astrólogo compreendia e via o mundo - a sua cosmovisão - considerarei primeiro aspectos relevantes da sua vida e obra, verificando quais faculdades cognitivas estavam operando neste momento e para quais direções elas se voltavam, verificando em seguida no seu mapa astrológico se a Casa representante de tal direção se encontra mesmo ocupada pelo planeta representante de tal faculdade.




BIBLIOGRAFIA


[1] GLOSSAS, III, 14/08/1925, Fernando Pessoa.

[2] LE DIAGNOSTIC DU CARACTÉRE, Ludwig Klages, PUF, Bibliotheque Scientifique Internationale, 1949.

[3] PERSONALIDADE, PADRÕES E DESENVOLVIMENTO, Gordon Allport, Ed Herder, 1969.

[4] DA NATUREZA, Parmênides: fragmento B3. Tradução: José Trindade dos Santos, Ed. Thesaurus, 2000.

[5] PESSOA, FILÓSOFO. Nuno Filipe Ribeiro, Revista do CESP, v.32, n.48, Universidade Nova de Lisboa, 2012, pg 128.

[6] Obra citada, pg 136.

[7] TIMEU, Platão, 47ab. Tradução: Rodolfo Lopes. Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, Coimbra, 2011.

[8] REPÚBLICA, Platão, 518c. Tradução: Elísio Gala, Guimarães Editores, Lisboa, 2005.

[9] TIMEU, Platão, 90cd. Tradução: Rodolfo Lopes.

[10] TIMEU, Platão, 90a. Tradução: Rodolfo Lopes.

[11] A saber, sol-intuição, lua-sentimento, mercúrio-raciocínio, vênus-fantasia, marte-reatividade, júpiter-vontade e saturno-razão.

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